Chegou a hora mais crucial. Após todas as considerações feitas, após todos os perrengues e sofrimentos da produção, após todos aqueles litros de [insira sua bebida preferida aqui], você tem tudo pronto para pensar em como vai lançar tudo.

E vai se ferrar, porque isso tinha que ser feito antes. A forma como a narrativa vai ser lançada é o que define seu sucesso, seu fracasso, e sua perpetuação. É bom considerar como ela vai ser disponibilizada para o mundo de preferência desde o começo, ou o quanto antes possível se não der para fazer no início.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Se você está montando uma narrativa transmídia retroativa, recomendamos muito que o cronograma de lançamento seja a primeira coisa a se ver. Como você está trabalhando a partir de uma base completa, que já foi lançada e já tem uma audiência, vai existir um trabalhinho a mais para apresentar a ideia de uma expansão em outras mídias para quem já acompanhava a obra original. As pessoas podem achar que é uma adaptação medíocre que não vale a pena gastar tempo e você acabou de perder um ponto vital.

Se você está montando uma narrativa transmídia préativa, você já deve ter ao menos alguma noção mínima dos tempos de produção de cada mídia, então montar esse cronograma pode ser mais tranquilo se você conseguir deixar o lançamento para após a produção ser concluída.

COMEÇANDO A MONTAR O CRONOGRAMA DE LANÇAMENTO

A ideia aqui é casar os lançamentos de cada projeto para garantir que a expansão transmidiática ocorra da melhor forma possível. Para isso, recomendamos que não sejam lançados vários projetos ao mesmo tempo. Simplesmente jogar tudo no colo da pessoa não é a melhor forma para iniciar uma jornada transmídia, especialmente quando você pensa em um público que não está muito acostumado a isso.

Se a maioria dos seus projetos for um acontecimento só, como um livro, um filme, ou uma peça, recomendamos começar com uma base trimestral. Assim, dá tempo de deixar cada projeto em turnê — vamos chamar o período em que o projeto ainda vai ser acompanhado após o lançamento de turnê aqui —, ver como foi a performance dessa turnê e fazer ajustes na próxima turnê.

Se você tem projetos serializados, uma base mensal pode ser melhor. Usar uma base trimestral também é viável, mas depende de como essa serialização vai acontecer. O foco não vai ser na turnê, e sim em manter uma periodicidade de lançamentos balanceada para não sobrecarregar o público.

LIDANDO COM AS PRODUÇÕES

Num mundo ideal, tudo já foi produzido e concluído e você não precisa pensar nisso. Se você vive nesse mundo ideal, pode passar para o próximo tópico. Se você não vive nesse mundo ideal, vamos discutir sobre o ritmo das produções.

Por mais que queiramos, e nós queremos muito, não dá para esperar tudo ficar pronto. Por mais planejamento que tenhamos feito, lançar uma narrativa transmídia é uma aposta alta e uma aposta cara. Por isso, a palavra de ordem durante a produção vai ser otimização: fazer o máximo e o melhor com o mínimo de recursos possível. Pouca verba é um pesadelo, mas um acordo de royalties ou um compromisso de compensação pós-produção podem solucionar o problema, dependendo do caso. Com o tempo, isso não é tão fácil.

Seja pelo risco de manter uma produção por um longo tempo, seja pelo compromisso com o veículo de distribuição de ter o projeto entregue em uma data imutável, ou seja porque a equipe tinha projetos demais para se dedicar mais ao seu, a entidade perversa conhecida como Prazo Final se espreita a todo momento. Por isso, devemos sempre nos manter alerta sobre sua ameaça.

A melhor coisa que você pode fazer em casos como esse é jogar o protecionismo e o perfeccionismo longe. Isso não quer dizer que o resultado final vai ser ruim, muito pelo contrário. “Fazer o melhor possível com o que é dado” é reconhecer que existe uma linha tênue entre o seu esforço enriquecer o projeto ou acabar com ele, e não cruzar essa linha.

Por sorte a situação aqui é, em grande parte, favorável. Se estamos falando de produção para a TV, as emissoras brasileiras estão acostumadas a manter um período de pelo menos 2 semanas entre produção de conteúdo e exibição; para conteúdo seriado você tem, em média, um terço da produção pronta antes da exibição. Mas se a sua mídia for animação, se prepare para uma luta.

Graças à noção popular de que “desenhos são para crianças”, muitas emissoras preferem não exibir conteúdo animado para não lidar com as regras de publicidade infantil do CONAR, independente da animação ser infantil ou não. O costume de comprar animações do exterior também acostumou tanto as emissoras quanto o público a exibições diárias, o que exige que o projeto esteja nas últimas fases de produção e ainda por cima tenha episódios suficientes para durar ao menos um mês no ar. Você vai precisar ter muitas conversas para convencer a emissora a levar seu projeto ao ar. Se você criou um comitê de produção, convidar a emissora a fazer parte dele pode além de facilitar a exibição, auxiliar o cronograma de produção.

UM PENSAMENTO A MAIS...

O SBT é um campeão quando o assunto é cronograma de lançamento, por mais incrível que pareça. Desde 2011, todas as suas novelas tinham entre quatro a cinco meses de conteúdo pronto enquanto eram exibidas. O remake de Chiquititas teve seu último episódio gravado 6 meses antes da sua exibição!

A Globo, outra grande produtora de conteúdo, costuma gravar diversas séries e deixá-las arquivadas; na primeira reunião do ano seguinte são escolhidas as séries que serão exibidas ao longo do ano e quando elas serão exibidas.

Como vêem, não é impossível conseguir terminar um projeto antes de se pensar no cronograma de lançamento. Mas se lembram do que falamos em SINCRONIA DE PRODUÇÃO? Se preparem sempre para sinistros, especialmente quando eles atrasam a produção e o cronograma de lançamento não pode ser alterado.

Nas mídias impressas, você tem que manter ciência da fila de impressão, e especialmente da logística de distribuição, a todo momento. Estamos num país continental, então planeje seus lançamentos para uma semana ao invés de um dia em específico. Seria ideal ter o projeto à venda em todos os lugares que você planejou ao mesmo dia, mas um plano que dá margem a erro é mais confiável. Definir onde essa mídia será distribuída também tem impacto: como a maioria das impressões em grande escala (tirando jornais) ocorrem no Rio de Janeiro e em São Paulo, a distribuição para a região Sudeste é a mais rápida. Planejar a distribuição para mandar tiragens para as outras regiões primeiro é o caminho que recomendamos.

Os locais também são importantes nesse ponto: seja gentil com seu público e não distribua apenas nas capitais. Estados são grandes e nem todos terão fácil acesso à sua capital. Mapeie as maiores cidades de cada estado e inclua pelo menos duas cidades além da capital para distribuir. Junto disso, uma distribuição por etapas pode te ajudar a manter o ritmo sem impactar muito o cronograma de lançamento. Afinal, se já colocamos uma semana de margem de erro, podemos dividir a semana entre Sudeste/Sul e Norte/Nordeste/Centro-Oeste.

Publicações digitais parecem ser as mais tranquilas em questão de planejar lançamentos, mas são as mais impactadas por problemas de produção. Como o lançamento é apenas um upload, apenas sinistros impactariam nessa etapa. Então reserve um tempo a mais para resolver problemas de produção que podem aparecer.

Se o seu conteúdo é filmado, garanta que metade — ou o maior tempo possível — do tempo de produção será ocupado por edição e pós-produção. Parece muita coisa, mas esses dois criam uma atmosfera que pode salvar ou arruinar todo o projeto. Também separe um tempo para possíveis regravações dentro da etapa de edição e pós-produção.

CRONOGRAMANDO O LANÇAMENTO

Após pensar em tudo aqui em cima, finalmente podemos começar a botar a mão na massa.

O primeiro passo é estabelecer o início e o fim dos lançamentos. Aqui estamos falando da sequência de lançamentos, que contém cada lançamento individual. É importante que exista uma área de respiro entre cada lançamento, então não economize nesse prazo.

POR EXEMPLO...

Um exemplo particularmente bem sucedido de narrativa transmídia, foi a tradução do Universo dividido que os quadrinhos da Marvel possuíam para os cinemas, criando o “Marvel Cinematic Universe”. Quando falando de universos divididos, a Marvel sempre fez um esforço para cobrir temas de união e construção de pontes para com outros universos e histórias diversas. O planejamento das Fases do MCU são um bom ponto de partida para analisar outros cronogramas de lançamento.

Isso varia de projeto para projeto, mas recomendamos pensar inicialmente em uma janela de um ano para pelo menos dois projetos. Tente escalonar esse intervalo em uma quantidade de meses que possa ser dividido igualmente entre os projetos, levando em conta o lançamento em si e a turnê de cada projeto. Lembrando o que falamos acima: o que chamamos de turnê aqui é o período pós-lançamento de acompanhamento do projeto.

Considere também a relevância de cada evento narrativo em cada projeto. Deixar grandes acontecimentos acontecerem ao mesmo tempo é uma ótima estratégia para impacto algumas vezes, não todas as vezes. Grandes emoções geram grandes expectativas e talvez você não consiga entregar o que seu público espera.

Ter vários projetos sendo lançados ao mesmo tempo não é uma coisa ruim. Muito pelo contrário, é uma das graças da narrativa transmídia. Pular entre projetos faz com que a sua audiência pegue a narrativa com a cabeça fresca e pode gerar um envolvimento maior. Mas da mesma forma que você deve reservar grandes eventos, considere pegar leve em mídias similares. Entregar dez projetos ao mesmo tempo é incrível, mas é quase certo que sua audiência vai acabar ignorando algum deles. Agora, entregar um agora, dois daqui a pouco, mais dois depois, e ir assim até você ter os dez projetos lançados no fim? Super tranquilo.

Se você tem projetos seriados e projetos não seriados (como um programa de TV e uma peça, por exemplo), priorize o lançamento do seriado para refinar o outro. É esperado que um conteúdo seriado evolua com o tempo, e isso pode ser utilizado a favor do seu cronograma de lançamento. Enquanto um projeto não seriado é único; se ele foi lançado com uma qualidade abaixo do esperado, é assim que ele vai ficar por um bom tempo.

Cronologicamente, o projeto seriado vem antes do não seriado? Se sim, o plano de ataque acima cai bem. Se não vier, ainda vale a pena questionar se seguir a cronologia narrativa para a cronologia de lançamento é uma boa ideia. Como falamos em SINCRONIA DE PRODUÇÃO, uma desordem no lançamento pode trazer uma camada a mais para sua narrativa.

Já falamos o suficiente, né? Vamos partir pra um exemplo.

POR EXEMPLO...Como montaríamos o nosso cronograma de lançamento

Falamos lá em MÍDIAS, na parte CRIANDO A EXPANSÃO , mas não custa relembrar. Estamos trabalhando com três mídias: uma série de animação, uma história em quadrinhos (no caso, um Webtoon), e uma mídia interativa.

Nossa série de animação terá episódios semanais de 15 minutos, nossa história em quadrinhos terá uma atualização a cada duas semanas e nossa mídia interativa será atualizada mensalmente.

A animação será exibida semanalmente durante seis meses; conseguimos um acordo com a emissora e dividiremos a exibição em dois períodos de três meses.

Para o webtoon, estabelecemos uma média de três páginas por atualização. O número pode variar dependendo da história abordada na atualização. Planejamos ter quatro meses de hiato de atualizações distribuídos ao longo do ano para a compilação e ajustes das páginas para uma versão impressa.

A mídia interativa vai ser trabalhada durante um período inicial de 2 anos, podendo ser estendido por mais dois dependendo da média de usuários ativos. Planejamos que ela terá duas metades: um jogo de ritmo com músicas presentes nas outras mídias, e um modo de história interativa seguindo o modelo de visual novel. Ela iniciará com dois capítulos de história; cada capítulo terá até cinco histórias alternativas que serão exploradas por quem joga.

Imagem exemplificando o cronograma de lançamento hipotético. Em uma tabela, estão dispostos, com cores diferentes, os lançamentos dentro da animação, do webtoon e da mídia interativa relativo às 52 semanas do ano.

Considerando esses fatores, montamos o que seria o cronograma de lançamento durante o primeiro ano, levando em conta o costume de começar projetos durante o segundo trimestre do ano empregado por algumas emissoras de TV. A pausa na exibição da animação existe para poder dar uma zona de respiro para os episódios que virão depois e, especialmente, para guiar a parte do público que só acompanha a animação a procurar as outras mídias, que manterão a periodicidade durante o período em que ela não está no ar.

"E quanto ao ano seguinte? A mídia interativa não continua sendo produzida?", você pergunta.

Claro que sim! E o webtoon também. Mas para um novo ano, um novo cronograma deve ser montado. Começamos o lançamento no segundo trimestre para fazer uma análise de como o projeto andou e rever os cronogramas durante o primeiro trimestre do ano seguinte. Fazendo isso desde o começo, já acostumamos a audiência a esperar lançamentos em um certo período .