Se estamos aqui, você já deve ter uma história ao menos planejada até algum ponto, já deve ter o material conceitual pronto ou quase pronto, e já sabe as mídias que vai usar.

Se você não tiver, fique a vontade para olhar as categorias Montando a História e Criando a Expansão até ter. Estaremos aqui o dia todo, sem pressa.

Claro, se você quiser; fique à vontade para ler aqui de qualquer forma.

Já temos uma boa noção de como queremos que a narrativa transmídia fique, e depois de planejar tantas coisas não podemos esquecer de um ponto vital. Narrativa transmídia envolve produção em diferentes mídias, e nem todas as mídias tem o mesmo fluxo de produção. Uma narrativa transmídia pode afundar sem nem ter começado direito porque uma das mídias ficou para trás no meio do caminho.

Por isso, antes de começar a fazer tudo de fato, é bom planejar o ritmo de cada produção pra que elas consigam ocorrer num tempo próximo e do melhor jeito possível.

Isso vai variar de mídia para mídia, então começamos pelo o que pode ser definido sem pensar em uma mídia específica.

HISTÓRIA
E MATERIAL CONCEITUAL

Sim, já fizemos isso antes de chegar aqui, e com bom motivo! É bem mais tranquilo estabelecer uma história de base antes e explorar ela com as mídias depois, do que deixar o desenvolvimento particular de cada mídia e depois juntar tudo.

Se você conseguiu criar uma linha do tempo, dá para trabalhar em projetos pela ordem de complexidade ainda tendo noção da cronologia. Quanto ao material conceitual, cada mídia terá um estrutura diferente para o que aquela mídia precisa, então alguns conceitos tem que vir depois, mas dá para estabelecer um material conceitual pra ser usado de referência para a criação das outras.

SINISTROS

Eventos recentes evidenciaram uma coisa muito importante: não dá para contar que tudo vai estar bem o tempo todo. Fatores externos podem acabar com a melhor sincronia de produção existente. Não podemos dar solução para tudo, mas podemos frisar algumas coisas que farão a diferença nos piores momentos:

Não é porque uma narrativa transmídia pode ser expandida que ela tem que custar vidas. Não deixe o brilho da sua história te cegar para os perrengues que podem rolar.

Agora vamos discutir algumas questões que podem surgir dependendo das mídias.

MÍDIAS IMPRESSAS

Agora vamos discutir algumas questões que podem surgir dependendo das mídias impressas.

Mídias impressas tem uma variedade imensa em produção e prazos dependendo do que vai ser feito. A produção do conteúdo da mídia impressa em si é uma questão à parte: tirando questões de fidelidade gráfica — que pra qualquer produção que envolva reprodução de imagens tem que ser vista desde o princípio — a produção de conteúdo não precisa se preocupar com nenhuma dessas perguntas acima enquanto é produzida, então o processo de criação é bem independente.

A fila de impressão da editora, como o nome dá a pista, é o cronograma de impressão e montagem de todos os livros que a editora tem. Cada editora tem uma, dependendo da quantidade de títulos e tiragem de exemplares. Se você não tem um histórico de vendas boas — seja em mídias impressas ou não impressas — ou você não desembolsou uma grana extra, vai ter que levar em conta o tempo na fila também. OU ainda você pode tentar uma publicação independente, sem depender de uma editora e com um controle maior em todas as etapas. Isso pode aumentar o tempo de tiragem e diminuir a quantidade de exemplares.

POR EXEMPLO...

A produção (em impressão e distribuição) de um livro pode durar entre um e dois meses, sem contar o tempo em que ele vai estar na fila de impressão da editora.

Para uma história em quadrinhos, independente do tipo, você pode demorar entre algumas semanas a alguns anos dependendo dos testes de impressão e cor para garantir a melhor reprodução das artes originais. De novo, sem contar o tempo em que ele vai estar na fila de impressão da editora.

Produções especiais, como livros interativos ou algo com materiais mistos, demoram mais para serem impressos e finalizados dependendo das particularidades. Algumas páginas em papel diferente? Um tempinho a mais de montagem, mas um processo relativamente tranquilo. Encadernação em costura japonesa, popups, corte customizado, guarda em tecido? Vai levar mais tempo ainda para montar e garantir que todas as partes estejam perfeitas.

Se você se ater ao formato mais simples possível, com capa em papel laminado e miolo em papel jornal, você consegue uma impressão rápida; dependendo da logística, seu projeto pode ir das prensas às bancas em uma semana. A periodicidade mais comum é a mensal. Ter um período menor não é impossível, mas a chance de encalhar nas prateleiras aumenta. Vale a pena pensar inicialmente em uma distribuição digital e uma versão física como um item de coleção. Valerá a pena pela qualidade do material impresso.

O melhor caminho vai ser o que o projeto pedir, e por isso não podemos recomendar um ou outro. Somos só um texto feito previamente, não podemos adivinhar o andamento do seu projeto. Entretanto, podemos deixar um questionamento que pode te guiar:

Supondo que essa mídia impressa tem que sair entre os lançamentos de outras mídias em paralelo, como eu garanto que vou ter tempo para resolver os problemas que podem aparecer? Não sabemos, mas só por considerar você já está num bom caminho.

SÉRIES DE ANIMAÇÃO

Vamos falar sobre séries de animação primeiramente. Animação não seriada e filmes são um outro mundo em questões de produção e merecem um cuidado maior e uma análise mais profunda. Já vamos chegar lá. Agora, vamos falar sobre as séries.

Para séries, temos geralmente duas formas de organizar a produção:

Sistema ocidental:

Sistema oriental:

Nenhum sistema é melhor que o outro (embora o sistema oriental facilite a exploração de animadores). A qualidade da animação depende da equipe e do bem-estar dela e não apenas de uma metodologia. Ambas podem ser benéficas ou maléficas dependendo do prazo.

Uma discussão essencial para a produção é o método de animação: Ela será feita com quadros desenhados individualmente, ou será baseada na manipulação de peças prontas? E onde ela vai acontecer? A preparação para uma animação a lápis e uma animação vetorial digital são diferentes. Assim como a preparação de uma animação em stop motion e uma animação em 3D são bem diferentes, embora nos dois casos eles tecnicamente sejam o mesmo método.

Aqui no Brasil prevalece a animação digital vetorial, utilizando puppets e com uma interpolação auxiliada por software. Não que a animação desenhada quadro a quadro não exista; a praticidade e o custo relativamente mais barato ajudaram na popularização desse método. Dependendo do estilo da série, a produção de um episódio entre todas as fases pode levar entre 3 e 6 meses (o mesmo tempo em média de um cartoon!), sendo produzido majoritariamente por um estúdio só, com alguns freelancers que transitam entre estúdios.

Das produções nacionais atuais, a maioria é realizada dentro de um mesmo estúdio, sem uma colaboração formal entre estúdios de animação exceto por algumas pessoas que atuam como freelancers. Mas essas pessoas são freelancers, não um estúdio. E dado o tempo de produção, é comum que vários episódios sejam produzidos ao mesmo tempo.

Esse último ponto é a questão mais importante pensando na sincronia de produção: Se temos vários episódios sendo feitos ao mesmo tempo, como garantimos que eles vão conseguir sair a tempo de serem exibidos em ordem cronológica?

POR EXEMPLO

Steven Universe ficou conhecido por seu lançamento inconstante durante os anos justamente por essa questão. A emissora queria exibir os episódios o quanto antes, mas a equipe não tinha todos os episódios prontos na ordem certa. Para não confundir, houve um acordo: esperar todos os episódios de um arco narrativo ficarem prontos e exibi-los juntos em ordem… o que gerou maratonas de cinco episódios em uma semana seguidos de meses sem nada. Steven Universe deu sorte de ter um público disposto a esperar isso tudo. Não conte com um público disposto a esperar isso tudo.

Temos algumas soluções simples para isso:

1 | Não ter uma ordem cronológica:
A série pode ser episódica, e cada episódio fechar em si mesmo. Daí não existe a necessidade de exibir em ordem;

A animação estadunidense usa muito disso. Como as equipes das séries começaram fazendo curtas para cinema, fazer histórias isoladas era mais tranquilo. Boa parte das animações com vários episódios, como Os Simpsons, Doraemon e Turma da Mônica tem essa característica em alguma forma.

2 | Fazer questão de produzir tudo antes de exibir:
Como já está tudo pronto, a maior questão é quando você vai exibir;

Algumas animações tiveram a sorte de caírem em um horário que a emissora tinha ocupado, ou terem um estúdio com um cronograma incrivelmente gentil. Outras não tinham emissora. E outras já tinham sido feitas pra outro lugar e só vieram pra esse lugar agora. É o mais tranquilo de gerenciar e o mais difícil de conseguir. Violet Evergarden, da Kyoto Animation, é uma das maiores animações recentemente a ser produzida antes de sua exibição. As animações da Netflix seguem esse modelo geralmente.

3 | Ligar o dane-se e só exibir:
deixa a audiência descobrir a ordem das coisas e exibe o que estiver pronto.

Parece doideira mas se você se garante na sua narrativa, pode dar muito certo. Suzumiya Haruhi no Yuuutsu transformou o anacronismo em ferramenta narrativa: Nada melhor para uma série sobre uma garota que muda o mundo sem saber procurando diversão, do que ter a própria série organizada pelo quão emocionante cada episódio é ao invés da ordem cronológica.

O processo de animação é loooongo. Por isso, também é bom ter um plano de contingência no caso de algumas animações não conseguirem ficar prontas a tempo.

A exibição é o ponto vital da animação. Emissoras geralmente mantém um esquema de lançamento semanal de episódios, o que pode ajudar a aliviar uma produção concomitante: esses sete dias entre um episódio e outro podem salvar uma produção e ajudar a história a ressoar mais com seu público, dando o espaço pra eles pensarem e refletirem. Lançar tudo de uma vez não garante que isso não vai acontecer, e ainda dá aquela ansiedade do “cadê episódio novo” mais rápido. Aqui no Brasil isso pode complicar um pouco pois as emissoras estão acostumadas a comprarem temporadas completas e exibir diariamente, o que torna a ideia de produzir enquanto a animação é exibida praticamente suicida. Mas o combinado não sai caro, então apresente um acordo.

Sabendo que um episódio tem em média 20 minutos, você pode estruturá-lo em cinco blocos de 4 minutos e sugerir que cada episódio seja exibido de segunda a sexta nessa divisão de um bloco por dia e como um “compilado” aos sábados com os 20 minutos em sua forma original. Alivia um pouco a demanda e você tecnicamente ainda estaria fazendo um episódio por semana.

Nós recomendamos fazer uma exibição espaçada para poder ter mais controle durante a expansão transmidiática, mas como tudo nessa categoria quem vai ditar o que vai ser melhor é o seu projeto.