Quando você trabalha com várias histórias simultaneamente, ou possui um elenco grande de personagens com uma relevância semelhante, pensar em como as narrativas como um todo serão abordadas pode ser mais importante do que desenvolver as narrativas. Vamos sair um pouco da história e analisar ela de longe, quebrando o que temos feito em conceitos gerais e montar um esqueleto que pode ser utilizado para abordar todas as histórias dentro da narrativa de forma simplificada.

ENREDO

Enredo é a trama completa da Narrativa, os eventos que ocorrem em ordem de fatos, o esqueleto da narrativa que permite que os outros elementos possam ser encaixados. Enredos podem ser implementados em diversos formatos diferentes, o mais comum entre eles sendo a “Jornada do Herói”, uma estrutura narrativa detalhada onde o protagonista é chamado para uma aventura além de seu local de conforto, enfrenta um grande mal que representa alguma insegurança ou defeito seu, e retorna ao seu lar um indivíduo diferente de como ele começou, as vezes repetindo a jornada por inteiro. Em alguns casos, como na franquia “Macross”, a ciclicidade da trama é a estrutura do enredo, histórias diferentes em épocas e espaços diferentes mas representando uma mesma trama sociopolítica, romântica e cultural da música.

POR EXEMPLO...

Um exemplo da aplicação de Enredo cíclico é nas histórias da franquia “Castlevania”. Em Castlevania, o lorde das trevas "Drácula" ressurge uma vez a cada geração, juntamente com o seu castelo amaldiçoado para mergulhar o mundo em meio à escuridão. A ressurreição do Drácula coincide com as gerações da familia “Belmont” que graças ao seu sangue divino consegue empunhar a arma abençoada, o Chicote Matador de Vampiros. Um herói da família Belmont sempre surgirá para enfrentar Drácula. Em alguns casos, este ciclo vicioso pode ser subvertido quando transformamos a falta da ressurreição de Drácula, embora a presença de seu Castelo, em um mistério por sí próprio, ou até mesmo na falta da capacidade de um Belmont derrotar o Drácula por meio de alguma interferência maligna para gerar intriga.

PERSONAGENS

Personagens são os indivíduos que atuam em presença do enredo, os participantes principais que podem ser considerados os músculos da narrativa, pois são eles que fazem a narrativa continuamente funcionar. Personagens necessitam de especial atenção em relação à maneira que são escritos na narrativa, seu alinhamento, suas motivações, seus arcos narrativos, origens, crenças e até mesmo como devem interagir com outros personagens com crenças, origens e motivações diferentes. Em certos casos, os escritores optam por escrever os personagens primeiro antes mesmo de encaixá-los numa narrativa. Um personagem especialmente notável deve ser capaz não só de se destacar entre similares e ter características interessantes, mas deve ter apelo suficiente para poder ser encaixado em diversas situações diferentes sem deixar de ser engajante.

POR EXEMPLO...

Em questão do Nosso trabalho, Adriana, Bianca e Cláudia foram pensadas com vários aspectos que possam gerar potenciais reações e interações diferentes e interessantes, sim, mas o mais importante foi manter as suas origens simples e terrenas. Parte do apelo da apresentação das três juntas é que, em sua relativa simplicidade, elas podem vir a representar mais do que com aspectos concretos ou fechados a uma visão de mundo específica. Adriana por exemplo é tímida e pensativa, sim, mas ela vêm de origens comparativamente simples e sua experiência lidando com outras pessoas a torna perceptiva e sagaz. Bianca vem de uma família mais pobre, é dedicada, genial e trabalhadora, mas seu entusiasmo e ingenuidade a tornam distinta quando comparada a outros similares. Claudia tem uma maneira simples e crua de falar que alguns podem chamar de rude, mas ela balanceia essa característica com sua relativa calma e controle, um ícone zen.

ESPAÇO

Espaço diz respeito aos cenários em que as cenas acontecem, os fatores a flor da pele que providenciam os fundos apropriados onde a trama pode tomar seu curso. Os espaços são imperativamente ligados à estrutura do enredo de momento a momento, e por meio de associação eles se tornam tão icônicos quanto as cenas que tomam parte neles. É importante que o design do espaço apropriado para a trama ser realizada seja condizente com o tom da narrativa, com o ritmo da história, com o tempo estabelecido pela trama e pelo arco dos personagens. Um exemplo de cenário é a cidade de Gotham, do Batman, visualmente e narrativamente. Gotham é uma cidade com um distinto visual, um visual Noir misturado com filmes de terror antigos, Dark Deco, o cenário perfeito para acolher as lutas do Batman. Ao mesmo tempo, pode ser um espaço psicológico, não somente físico, mas deve ser aparente para os que estiverem assistindo.

POR EXEMPLO...

A Rádio Trópico, especialmente o espaço de fora, é onde as meninas se reúnem para discutir os seus planos. Ter as meninas todas juntas em um só lugar geralmente é seguido ou por um número musical ou por planos ou treinamentos feitos para o grupo musical. As casas das meninas normalmente tem um ar de conforto e uma atmosfera aconchegante, mas Claudia não está em bons termos com sua família, então quando entramos na presença da família de Cláudia, estamos lidando com uma atmosfera mais pesada e desconfortável. Como se pode ver, os locais começam a ser associados com as emoções instigadas pelas cenas que tomam lugar neles.

TEMPO

Tempo é a ordem de eventos de acordo com a trama, representado de maneira cronológica ou psicológica. O tempo é uma força importante em histórias que auxilia no sentimento de fisicalidade, antepassados e urgência de uma história, entre outros, e é comumente um recurso que é utilizado para definir aspectos históricos da narrativa ou o passo dos eventos que ocorrem na trama.

POR EXEMPLO...

O Tempo em uma série episódica é, em muitos casos, um fator que é implementado à medida da colher de chá. O que quero dizer com isso é que geralmente o tempo é uma força constante e imutável, onde o normal é dias começarem e terminarem sem avanços em tempo ou idade, com as raras ocasiões de saltos no tempo, onde as personagens avançam no tempo vários dias ou anos até um ponto onde elas estão em um novo capítulo de suas vidas. Tipicamente esse método é utilizado para combater problemas com continuidade ou para providenciar uma espécie de liberdade aos escritores, mas quando este método é subvertido, produz um inesperado efeito dramático onde as consequências têm que ser resolvidas. Este é o caso da nossa narrativa.

TROPOS

Tropos são figuras de linguagem na narrativa que servem para representar uma ideia ou um conceito que é transmitido múltiplas vezes no decorrer de cultura ou em múltiplas narrativas. Quando estes conceitos se repetem a ponto de se tornarem previsíveis ou cansativos eles são descritos como “clichês”. Conhecimento de Tropos é comum a diversas narrativas e saber subverter ou reforçar estes tropos pode servir de potente ferramenta para adicionar complexidade à história ou aos personagens. A palavra se origina do grego e é literalmente traduzida como “giro”.

POR EXEMPLO...

Um Tropo que é particularmente popular na televisão Brasileira é o da “Vilã da novela brasileira”. Geralmente falando a Vilã da novela brasileira diz respeito a mulheres ricas e cruéis com intensa inveja, fúria e desprezo e nos lembra de vilões como "Cruella de Vil” de “101 Dálmatas” da Disney, que tinha 2 anos de idade quando Odete Roitman estreou o tropo na televisão brasileira. Uma mulher fria, amarga e desprezível cheia de descontentamento pelos mais pobres. Variações do tropo incluem maquinações diabólicas, inveja ou até mesmo uma espécie de protagonismo em questão de suas motivações finais.